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Você já ouviu falar em "filantropia digital"?

  • Foto do escritor: Maria Godoy
    Maria Godoy
  • 16 de jan. de 2018
  • 4 min de leitura


Em janeiro de 2017, a empresa de transporte urbano Uber anunciou um novo projeto: o Uber Movement, que coloca os dados armazenados pela multinacional à disposição dos interessados, mediante pedido. Essa medida visa principalmente auxiliar a eficiência das cidades através da adaptação da infraestrutura e de investimentos, sem, no entanto, deixar de lado a proteção dos dados pessoais dos clientes, que são anonimizados. Além disso, a coleta de dados está de acordo com as políticas que confidencialidade divulgada pela empresa.


Após o anúncio desse projeto, Bernard Marr, best-selling e conferencista no campo de negócios e consultor sobre Big Data, ressaltou que: "custaria uma verdadeira fortuna às cidades para coletarem por elas mesmas os dados com esse volume e velocidade; então ter isso disponível livre de cobranças é como dirigir-se à inovação e transformação que beneficiarão todos nós a longo prazo".


De fato, ainda que o setor privado disponha das ferramentas necessárias para analisar os dados dos usuários a fim de melhorar seus próprios serviços e produtos, e com isso reforçar sua competitividade no mercado, o setor público e os organismos sem fins lucrativos ainda não costumam tirar proveito de todos os benefícios que podem vir com essa coleta pela iniciativa privada.


É por essa razão que hoje se fala em "filantropia dos dados". 


Durante a conferência "Os dados da sua companhia podem ajudar a acabar com a fome no mundo" (título original: "Your company's data could help end world hunger"), Mallory Soldner, ativista em favor do acesso livre aos dados online e gestora analítica na empresa UPS, tratou de explicar que durante um programa humanitário no Iraque foi possível economizar 17% dos gastos e alimentar milhares de pessoas graças à análise de dados online. Ela resume sua idéia afirmando que esse tipo de análise acarreta "melhores decisões". (Se você se interessa pelo tema, vale clicar AQUIpara assistir à íntegra da conferência).


Soldner enumerou três formas pelas quais as empresas podem colocar em prática esses atos de ajuda: fornecendo (1) os dados, (2) os cientistas de dados e (3) as tecnologias que possibilitem a aquisição de novas fontes de informação. Assim, felizmente, outros exemplos se juntam ao projeto Uber Movement, que se utilizou da primeira forma de auxílio mencionada pela pesquisadora.


Nos deparamos também com o exemplo do fornecimento de dados de uma das maiores  operadoras de telefone celular do Haiti, a Digicel, visando avaliar os movimentos de migração após o terremoto que devastou a região em janeiro de 2010, no intuito de auxiliar uma melhor distribuição dos recursos no país.


Vale citar também a ação da companhia de informática americana IBM que estabeleceu uma parceria com o centro de pesquisa brasileiros Fiocruz, a fim de fornecer softwares e ferramentas online para a coleta e interpretação de uma quantidade considerável de dados constantes de redes sociais, para que se compreendesse melhor a propagação da epidemia do vírus Zika e de outras doenças. Além disso, a compnahia também apoiou uma maratona de programação de aplicativos destinados à saúde, e, ainda, um dia de formação de programadores locais para a utilização da plataforma de nuvem da IBM Bluemix. 


Todavia, em se tratando de empresas privadas, com fins lucrativos, esse tipo de iniciativa não ocorre simplesmente como forma de caridade. Na verdade, as empresas obtêm retornos consideráveis contribuindo com organismos beneficentes e com o poder público. Assim, admite-se que a "filantropia de dados" pode perfeitamente integrar os programas de responsabilidade social das empresas (RSE).


Desde 2013, Charles-Yves Baudet, diretor superior de relações públicas da Teradata na Europa, Oriente Médio e África, já fala da importância do compartilhamento de dados pelo setor privado: " [...] a filantropia de dados permite às companhias retribuir criando um impacto positivo. Isso reflete as principais competências do negócio e preserva o valor para os acionistas". 


Em que pesem os benefícios gerais do engajamento das companhias privadas, há certos empecilhos com relação à filantropia por meio de dados digitais. Entre eles, encontra-se a possibilidade de anulação de vantagens competitivas que as empresas teriam graças ao "monopólio" de seus dados, o que desestimula seu compartilhamento.


No mais, um estudo publicado em novembro de 2016 na revista científica internacional "Philosophical Transactions of the Royal Society A" considera a beneficência no domínio dos dados como um fenômeno ambíguo no sentido moral. Segundo a autora Mariarosaria Taddeo, membra do Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universideda de Warwick, "a distópica visão reforça os riscos para os direitos individuais, como a privacidade e autonomia". 


De fato, o risco à confidencialidade dos dados dos usuários é real, em razão da possibilidade de reidentificação dos dados em certos casos, até mesmo porque a "anonimização perfeita não existe".


Trata-se, portanto, de sopesar os benefícios da filantropia dos dados, através das diferentes formas pelas quais ele pode ser colocado em prática, e avaliar se eles superam os riscos. Em todo caso, diante dos diversos exemplos reais de cessão de dados, bem como de profissionais e ferramentas, é inegável a importância que as empresas estão passando a dar a essa colaboração com o poder público e com entidades sem finalidade lucrativa, que podem otimizar suas atividades.


Portanto, cada vez mais, os dados virtuais não devem ser vistos apenas como um simples agrupamento de informações, mas também como um instrumento de desenvolvimento social.

 
 
 

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