O não-repúdio nos registros na Blockchain
- Maria Godoy
- 6 de nov. de 2018
- 3 min de leitura
Durante o Webinar "Blockchain: perspectivas jurídicas e empresariais", apresentado em junho, mencionei brevemente a criação dessa tecnologia, apresentei diversas de suas características e elenquei mais de uma dezena de aplicações práticas da Blockchain e dos smart contracts nos mais variados domínios (saúde, apostas, seguros, setor energético, propriedade intelectual, eleições, setor financeiro, logística etc.).

E dentre as perguntas que recebi durante o webinar, resolvi escrever aqui sobre a seguinte:
"O que quer dizer o dado registrado na blockchain ser "non repudiable" e quais as implicações desta propriedade para o direito?"
"Non-repudiable" (ou "non-repudiation") se refere basicamente ao "não repúdio", também conhecido por alguns como irretratabilidade. O não repúdio é uma característica ou princípio que nos permite garantir diversos dados por traz de um registro, notadamente quem o realizou e o que foi realizado.
De fato, os registros na Blockchain seguem esse princípio do "não repúdio" (ou irretratabilidade). Essa é a mesma característica presente também nas assinaturas eletrônicas, segundo a ICP-Brasil, de modo que o autor da mensagem (ou do registro, no caso da blockchain) "não poderá, por forças tecnológicas e legais, negar que seja o responsável por seu conteúdo" (ICP-Brasil).
Em termos simples, o não repúdio significa a impossibilidade de se negar a autenticidade e realização daquela transação/registro, seja de uma assinatura eletrônica, como dito, seja de um dado inserido na rede Blockchain. Isso ocorre, pois, em resumo, registra-se a informação quanto à origem e integridade daquela transação, fazendo prova firme de sua ocorrência.
Logo, não é possível repudiar a criação daquela transação, daquele registro, na Blockchain (por isso o nome "não repúdio"). Podemos dizer que essa é uma característica que permite garantir a autenticidade de uma informação, de modo que ela possa ser facilmente auditável e, com isso, mais confiável.

Quanto às implicações para o direito, temos a possibilidade de empregar os dados e registros na Blockchain como prova, seja para auditorias ou mesmo em processos judiciais, tendo em vista a sua segurança e confiabilidade justamente em razão desse princípio do não repúdio.
Inclusive, a American Bar Association PKI Assessment Guidelines menciona que a utilização desse tipo de tecnologia fornece uma robusta e crível evidência, suficientemente forte, para convencer terceiros de que certo indivíduo realizou determinada transação/registro. Eles falam em não-repúdio tecnológico ou técnico – que é exatamente esse conceito, esse caráter de "forte evidência" – e em não-repúdio legal, aquele que ocorreria após um processo judicial em que a tal da "forte evidência" seria confirmada, mesmo diante de eventual negativa por parte do emissor da transação.
Ao lado disso, temos também o timestamping (carimbo temporal), que mencionei durante o webinar. Se trata de mais um dado adicionado aos registros: o "quando". Além do "quem" e "o que" foi feito, agora sabe-se também o momento. O conjunto dessas informações torna o registro em blockchain, efetivamente, uma boa ferramenta probatória para o direito.
Também em razão da segurança gerada por esse princípio, diversas finalidades podem ser dadas à Blockchain, de modo que estas, por sua vez, podem ter fortes implicações jurídicas. Exemplo disso, temos a possibilidade de realização de eleições, criação de financiamentos coletivos, transações comerciais, controles tributários, registro de empresas, casamentos, testamentos, registros médicos, procedência de documentos, negociações no mercado energético, pagamento de seguros e até mesmo a realização de processos licitatórios.
Tudo isso terá, graças ao não-repúdio, uma robusta evidência quanto a quem e ao que foi feito, assim como ao momento de sua realização por meio do timestamping.
Assim, considerando as previsões de que tanto o setor público quanto o privado passarão a instituir cada vez mais o uso de blockchain em seus processos tradicionais, entende-se que o Direito irá se deparar com as questões que já conhecemos, mas, agora, sob o prisma dessa nova tecnologia e, da mesma forma, com base no não-repúdio, que dá força probatória às transações e registros nessa nova rede.
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