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Direito da tecnologia no contexto da infância e adolescência

  • Foto do escritor: Maria Godoy
    Maria Godoy
  • 17 de abr. de 2018
  • 3 min de leitura


Há alguns dias, o jornal The Guardian publicou matéria sobre uma denúncia apresentada por 23 entidades defensoras da infância, dos consumidores e da privacidade à Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos contra o YouTube e a Google, sob a alegação de que essas empresas coletam dados de crianças menores de 13 anos sem o consentimento parental, o que é vedado no país norte-americano, e os utilizam, principalmente, para o direcionamento de publicidade.


No ano passado, foi realizado em São Paulo o seminário “Crianças e adolescentes na era digital: perspectivas para as políticas públicas” (confira AQUI o vídeo da palestra) que, dentre outras coisas, abordou os direitos da infância na era digital:

"Estima-se que as crianças e adolescentes constituam um terço da população mundial, e um terço dos usuários de Internet do mundo. À medida que a sociedade incorpora cada vez mais redes e serviços digitais em sua infraestrutura fundamental, os direitos de usuários e não usuários na era digital tornam-se cada vez mais relevantes."​

No contexto atual, se torna necessário utilizar as lentes do direito digital para lidar com o direito das crianças e adolescentes. Nem se discute o fato de que hoje eles já nascem e crescem com a tecnologia na palma da mão, ou literalmente na ponta dos dedos. E mais uma vez o Direito deve vir e adaptar-se à nova realidade, criando novas ferramentas de proteção da infância e juventude.


Diversos são os desafios próprios dessa área. Aliás, se até mesmo os adultos muitas vezes já enfrentam uma série de questões delicadas em razão do uso da tecnologia, não haveria de ser diferente com as crianças e adolescentes.


Dentre os principais desafios enfrentados especificamente quando tratamos dessa fase da vida, temos o cyberbullying, práticas de sexting, o risco de acesso a conteúdos inapropriados, a divulgação de informações pessoais e dados sensíveis,  a criação de perfis fakes, a publicidade dirigida. Além disso, atos ilegais podem tanto ser cometidos por essas crianças e adolescentes, quanto elas mesmas podem ser as vítimas. Ainda, pode-se falar em "abandono digital" que, segundo Patrícia Peck Pinheiro, seria caracterizado pela omissão dos adultos responsáveis por assegurar a segurança da criança ou adolescente também no mundo digital.


Assim novas questões também surgem, como os próprios canais de crianças que se tornam "YouTubers mirins" (leia AQUI uma ótima reportagem sobre o tema) com milhares de seguidores e que passam a atuar em uma espécie de trabalho artístico (artigo 5º, IX, da Constituição Federal; Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho; Recomendação nº 146 da Organização Internacional do Trabalho).


Mas a tecnologia também pode ser utilizada pelas próprias crianças e em prol delas mesmas, para enfrentar os problemas existentes também mundo real, como o bullying. Exemplo disso é o aplicativo "Sit with us" ("Senta com a gente", em tradução livre), que busca promover a inclusão nas escolas. Como qualquer outra rede social, você pode criar um perfil, e o aplicativo te indicará lugares na escola em que você pode ir e que será bem recebido por outros usuários do aplicativo. Confira o TedTalk ministrado pela criadora - que foi vítima de bullying na infância.


Muito se pode debater sobre o tema, se a legislação seria adequada e suficiente ou se a questão deveria passar ainda por um filtro de educação digital. Creio que embora a legislação brasileira atual não possua medidas específicas relacionando de forma mais profunda o mundo infanto-juvenil às tecnologias, como ocorre com o Children’s Online Privacy Protection Act dos Estados Unidos, que busca promover a proteção da privacidade online de crianças, a legislação brasileira pode, ainda assim, dar conta de tutelar as crianças e adolescentes diante da digitalização precoce de suas vidas, bastando que os tribunais e órgãos de investigação apliquem as regras já existentes adequando-as ao contexto tecnológico.


Ora, o princípio do melhor interesse do menor - com toda sua generalidade e abstração - pode ser uma forte ferramenta jurídica para superar a falta de legislação específica.


De toda sorte, a segurança das crianças e adolescentes exige não apenas medidas reparadoras, mas, principalmente, é necessário que se tenha a mesma consciência que se ostenta no mundo real: ninguém permite que seus filhos falem com estranhos, dêem suas informações pessoais para desconhecidos ou sejam alvo de publicidades exageradas ou inapropriadas. Contudo, isso é o que muitas vezes ocorre no mundo digital, até mesmo com o consentimento parental - seja por ação ou por omissão.


Logo, para além de qualquer pretensão legislativa ou judicial na matéria, revela-se necessário, a priori, considerar o ambiente virtual como uma extensão do real, e não como um paralelo, sem regras ou consequências.

 
 
 

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